Os Anos Dourados do Magistério

Os Anos Dourados do Magistério
                  Cecília Iacoponi Hashimoto
Pensar na história da educação no nosso país, nas décadas de 40, 50 ou 60, nos remete a um tempo em que a formação de professores esteve em alta. Podemos considerar esta fase como os “Anos Dourados” do professorado, especialmente o paulista e o carioca, no sentido de observarmos em que medida esta formação se dava, que critérios de seleção estavam em pauta para ingresso nestes cursos que se situavam no nível médio de ensino e quem eram os professores formadores.
Tomando como exemplo o que o texto de Lüdke e Boing nos traz em termos do que ocorreu nesta fase e, como conseqüência, a falta de prestígio que assolou, atualmente,  a condição de ser professor, se tivermos uma rápida conversa com profissionais que se formaram professores “primários” nesta época, como tive oportunidade de averiguar, veremos que, salva a nostalgia que trazem em suas falas,  são categóricos em dizer que, mesmo morando no interior de São Paulo, tiveram aulas com professores da USP, renomados nomes da Educação Nacional  que prestavam concurso e escolhiam suas “cadeiras” no interior do Estado.  
Assim foi com uma senhora que me disse ter sido aluna em Pirajuí, interior do Estado de São Paulo, nos anos 50, de professoras (não lembra os nomes com exatidão) de Psicologia e História da Educação, de Prática de Ensino e de Biologia, todas concursadas pela USP. Na disciplina Prática de Ensino, tinham que escrever o Plano de Aula e colocá-lo em ação, com os alunos do antigo curso primário (que hoje corresponde ao Fundamental I).
Este Curso Normal acontecia em uma Escola Estadual de nome Adhemar de Barros, que tinha desde o primário até o Colegial e Clássico/ Normal. Estas professoras normalistas, como eram chamadas na época, tinham o privilégio de estudar na mesma escola em que realizavam e aprendiam  o ofício de ser professor, estando imersas no contexto da profissão. No caso desta professora, conta que fez uma aula sobre Eleições, organizou urnas, cédulas, partidos políticos, levou para a sala dos alunos do quarto ano primário   (quinto ano do Fundamental I), usou o tempo de aula da professora da classe, e as colegas de normal ficavam no fundo da classe para observar e aprender. Ao final, diz que foi aplaudida e tirou nota DEZ! Realmente, estes professores falam com orgulho deste tempo e de serem professores!
Esta formação, que ocorria nos Cursos Normais de nível médio, com uma sólida bagagem, casava muito bem, a seu tempo, teoria e prática. As professoras saíam ”prontas” deste curso para atuar no ensino primário, e todas se sentiam bem preparadas.
Outra professora formada nos anos 50 ainda sinalizou que, “espiando” a grade curricular de sua neta que faz hoje o curso de pedagogia, ficou espantada com o que se aprende e concluiu: “Onde estão os exercícios? E a prática? No meu tempo era melhor! Nós tínhamos as pastas, os exemplos de como fazer, as aulas que ensinavam a dar aulas, preparávamos aulas para dar para as crianças. Cadê a sua pasta de atividades?”
Lüdke e Boing respaldam esta fala: “Talvez o antigo curso normal, que tão bons serviços prestou à formação de professores em nosso país, soubesse lidar com o binômio teoria –prática e com o componente técnico desta formação de uma forma bem sucedida, o que ainda não conseguimos fazer em nossos cursos de licenciatura nem mesmo nos de pedagogia”.
Para além do saudosismo, da nostalgia, das pastas prontas, com modelos prontos, do modelo de ensino e da filosofia de ensino adotada pertinente a sua época e tempo, envolto em um contexto sócio-histórico mais abrangente e, para além dos interesses político- econômicos desta época, o que se discute é este professor do qual estamos falando, em que momento se perdeu a sua formação? Onde ele cabe, hoje? Onde ele está? Onde situá-lo mediante os inúmeros cursos que são oferecidos para sua formação e que, por fim, não identificamos muito bem qual deles está em consonância com os tempos atuais. Qual devemos abraçar? Pedagogia? Licenciatura?
Ouso pensar em uma aproximação com as colocações de Viviane Isambert-Jamati, em suas pesquisas sobre a formação e o trabalho de professores, quando traz a ideia de recuo, de retrocesso no processo de profissionalização dos professores na França, também aproximando um pouco com a questão da precarização do trabalho docente, na direção do que vejo acontecer em nosso país.
Especificamente aos professores primários, a autora no coloca elementos contraditórios em que ao mesmo, positivamente, atualmente, estes professores buscam formação em psicopedagogia, sentem o magistério como uma missão, buscam especializar-se e percebem-se como profissionais que tem competências próprias para a infância, por outro lado também existe a formação realizada por outros que não são do meio, e aí nos reportamos às falas dos profissionais que conversamos e que citam quem eram os professores que lecionavam nestes cursos.
A remuneração, outro fator, abaixo de sua qualificação, novamente remetendo ao que se perdeu no tempo, esta conquista financeira por parte das professoras, que representavam também um ganho para a família, além do status de ser professora. A multiplicidade de vias de formação, também na direção com os vários cursos que temos e que não sabemos a qual nos reportar. Enfim, uma semelhança muito grande com o que ocorre em nosso país. E então, pensamos: Quem é este professor da infância? Onde situá-lo? A lei 9394/96 já incorporou a educação infantil na educação básica. Traçou diretrizes para orientar quem seria este professor, em que curso deveria ser formado. Referenciais Curriculares também se estruturaram. E a dúvida permanece. Os cursos não se posicionam. E o aluno/professor sai do curso sem saber o que fazer.
Quando li (Melchior, 1980, p.1165,1166) que “ quando gastamos com prédios aumentamos  a Renda Nacional (considerada investimento) e, ao contrário quando pagamos os salários dos professores ou seu aperfeiçoamento, estamos diminuindo a Renda Nacional (considerada consumo), e  que mesmo economistas esclarecidos com relação ao valor da educação, quando em postos de responsabilidade político-administrativa, são obrigados , em parte, a atuar contra o investimento em professores e defender o emprego dos recursos maciçamente em prédios e equipamentos duráveis”, ficou para mim, a angústia de uma realidade deficitária: professores mal preparados em cursos mal definidos enquanto identidade profissional, justamente pela falta de autonomia que possuem, de condição de classe, de um sistema de subordinação às regulamentações do Estado, mexendo com a dignidade  de uma “categoria profissional” que ainda requer conquistar a sua valorização, não incorrendo mais no olhar como semiprofissão.
 A falta de um código de ética atrelado ao movimento de qualquer um poder entrar e sair desta profissão na hora que quer, reafirma a fragilidade de ser professor.
Para saber mais Lüdke, M. & Boing, L. A. Caminhos da Profissão e da    Profissionalidade Docentes. Educ. e Soc., Campinas, vol. 25, n.89, p.1159-1180, Set/Dez.2004
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